Alguns períodos da nossa história têm um grande impacto na economia, política, cultura e sociedade do pais. E o movimento feminista, tanto em Portugal como no resto do mundo, é um deles. Como tal, é um dos conteúdos que faz parte da formação dos alunos, em todas as fases do ensino, desde as aulas da escola a um curso de história no ensino superior. Ainda assim, os estereótipos são muitos e a maioria dos alunos não faz ideia do verdadeiro impacto do feminismo na sociedade.
Os alunos portugueses aprendem sobre o movimento feminista nas aulas de história e geografia do ensino básico, nas aulas de história A do ensino secundário e, claro, em qualquer curso do ensino superior na área da história e da política. Ainda assim, a maioria dos alunos tem pouco conhecimento sobre esta época da história. Até porque sabemos que as aulas de história não são as favoritas dos alunos na escola, ainda que sejam essenciais à sua educação.
Para complementar a formação das aulas de história da escola, para ajudar os alunos que querem saber mais sobre o assunto ou aqueles que vão tentar o acesso ao ensino superior, compilamos todas as informações essenciais sobre o feminismo e a segunda onda do movimento, incluindo os eventos mais importantes desta época.
O que foi a segunda onda do feminismo?
A segunda onda do feminismo refere-se ao período de atividade feminista entre as décadas de 1960 e 1980. Esta fase do movimento teve início nos Estados Unidos e espalhou-se pelo restante mundo ocidental. Surgiu como uma reação à domesticidade imposta às mulheres após a Segunda Guerra Mundial, uma vez que a época do pós-guerra no país (conhecida como baby boom) era orientada para o casamento e a família ideal nos subúrbios, como se pode comprovar pelos meios de comunicação da altura.

Mas ao contrário da primeira onda do feminismo, cujo foco principal era o voto e a igualdade de género em termos legais, a segunda onda ampliou a luta para um leque de questões mais amplo, com igualdades que pretendiam colmatar outros tipos de discriminação, como: sexualidade, família, mercado de trabalho, direitos reprodutivos e desigualdades de facto. As feministas da segunda onda consideravam que as desigualdades culturais e políticas das mulheres estavam intrinsecamente ligadas e, como tal, todas estas questões eram o reflexo de estruturas de poder sexistas.
Durante este período, conquistaram-se grandes avanços no que diz respeito à igualdade no âmbito profissional, no desporto e nos meios de comunicação. Com o foco nos direitos reprodutivos, esta onda do movimento também se debruçou sobre a violência doméstica e violação conjugal, além de lutar pela criação de abrigos para mulheres maltratadas e por mudanças nas leis de divórcio e custódia.
Regra geral, considera-se que a segunda onda do feminismo terminou na década de 80, com as divisões dentro do movimento sobre temas como a sexualidade, prostituição e pornografia, que levaram ao início da terceira onda. Mas, de certa forma, as duas ondas coincidem, uma vez que tratam dos mesmos temas.
A história da segunda onda pelo mundo
Como o local onde esta fase implodiu, não deve ser de surpreender que a maioria dos eventos significativos da segunda onda tenham sucedido nos Estados Unidos. Mas o acontecimento que a despoletou não.
A escritora francesa Simone de Beauvoir publicou, em 1946, Le Deuxième Sexe ( ou "O Segundo Sexo"), onde examinava a noção de que as mulheres são vistas como secundárias na sociedade patriarcal. Neste livro, concluiu que a ideologia centrada no homem é aceite como uma norma e reforçada pelo desenvolvimento contínuo de mitos, uma vez que o facto de que as mulheres são capazes de engravidar, amamentar e menstruar não é uma causa ou explicação válida para serem consideras inferiores e "segundo sexo". O livro foi traduzido para inglês e publicado nos EUA em 1953, despoletando uma série de eventos no país.

Em 1960, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou a pílula contracetiva oral combinada, o que permitia que as mulheres pudessem ter carreiras e vida fora do ambiente familiar, sem ter que correr o risco de uma gravidez indesejada. Além disso, a administração do Presidente Kennedy tornou os direitos das mulheres uma questão-chave do seu governo e nomeou várias mulheres para cargos de destaque dentro da administração. Também estabeleceu uma Comissão Presidencial sobre o estatuto da mulher, presidida por Eleanor Roosevelt e composta por funcionários do gabinete, senadores, representantes, empresários, psicólogos, sociólogos, professores, ativistas e funcionários públicos, que se focava no papel da mulher na política e na sociedade em geral.
Em 1963, influenciada pel'O Segundo Sexo, Betty Friedan escreveu The Feminine Mystique (A Mística Feminina), onde se opunha à forma como as mulheres eram retratadas nos meios de comunicação e como mantê-las confinadas à vida familiar limitava as suas possibilidades e desperdiçava o seu potencial. Friedan considerava que a imagem perfeita da família nuclear retratada, e fortemente comercializada na época, não refletia a realidade e era bastante degradante para as mulheres.
Este livro é amplamente creditado pelo início da segunda onda do feminismo, mas o movimento só se desenvolveu devido a vitórias legais como o Equal Pay Act de 1963 e a Lei dos Direitos Civis de 1964. Em 1966, fundou-se a National Organization for Women (NOW), com membros masculinos e femininos, e Betty Friedan foi nomeada a primeira presidente da organização.
Apesar dos primeiros sucessos alcançados sob a sua liderança, a sua decisão de pressionar a questão da igualdade de oportunidade de emprego entre as mulheres americanas criou uma enorme oposição dentro da organização. Isto porque vários membros afro-americanos do grupo consideravam que os afro-americanos do sexo masculino que viviam abaixo da linha de pobreza precisavam mais de oportunidades de emprego do que as mulheres de classe média e alta. Esta desigualdade racial levantava outras questões importantes ao movimento feminista.
Em 1963, a jornalista freelance Gloria Steinem ganhou popularidade entre as feministas depois do relato da sua experiência a trabalhar no Playboy Club. Steinem tornou-se indiscutivelmente uma das figuras mais influente do movimento, apoiando a legalização do aborto e os cuidados diários financiados pelo governo federal, que se tornaram dois dos objetivos principais das feministas da época.
A famosa “queima de sutiãs”, que seria posteriormente utilizada para estereotipar o feminismo, também ocorreu durante esta onda do movimento, em 1968, durante um protesto do Movimento de Libertação das Mulheres ao concurso Miss América.

Nos países europeus, as mulheres também conseguiam algumas vitórias. Na Suíça, conquistaram o direito de votar em eleições federais em 1971 e no Liechtenstein, em 1984, depois de um referendo.
A inatividade da segunda onda em Portugal
Durante este período do movimento feminista, Portugal estava sob um regime autoritário. O governo tentava combater o que considerava ser ameaças à sociedade: a industrialização, o comunismo, o republicanismo, o sindicalismo e, claro, o feminismo. Para isso, utilizava associações como a Obra das Mães pela Educação Nacional (OMEN), a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF) e o Movimento Nacional Feminino (MNF) para educar as mulheres segundo a sua doutrina.
De acordo com as ideologias do regime, a mulher deveria restringir-se apenas ao lar e à família e o seu privilégio como mães era o de poder educar as futuras gerações, ocupando um suposto papel primordial na ordem social e política do país. Além disso, foi implementada legislação sobre o incentivo à natalidade e a exclusão do trabalho feminino. O trabalho feminino predominava até aí no sector industrial e, em menor número, também em outras intervenções profissionais.
De forma a dificultar a conquista da independência ou autonomia por parte das mulheres, convicto que as mulheres trabalhadoras poderiam fazer frente à política, o governo proibiu o acesso das mulheres a variadas carreiras. Além da restrição a certas profissões, as mulheres passaram também a estar limitadas no exercício de outras, tendo que completar vários passos burocráticos e cumprir vários requisitos de "índole moral". As professoras primárias, por exemplo, tinham de pedir autorização ao Ministério da Educação Nacional para se casarem, e outras profissionais estavam proibidas de se casar ou de serem mães solteiras, sendo forçadas a deixar o emprego se não cumprissem as normas.
As poucas profissões que ainda estavam disponíveis obrigavam a um aval dos maridos e, na sua maioria, as mulheres que as exerciam enfrentavam situações onde eram exploradas, recebendo cerca de 2/3 do salário de um homem que cumpria as mesmas funções. Só em 1967 é que se conseguiu a igualdade entre homens e mulheres no trabalho, passando a mulher a não precisar da autorização do marido para exercer atividades públicas. Ainda assim, a medida não se formalizou na prática, e ainda existem diferenças salariais e de direitos laborais entre géneros.
Estas restrições também se sentiram na educação. Guiados pela ideia de que as mulheres deveriam ter uma orientação específica e não deviam ser ensinadas por professores, criou-se um regime de separação dos sexos e o ensino feminino passou a incluir a disciplina de economia doméstica. Nestas aulas, as alunas aprendiam ofícios como cozer, bordar, cozinhar e conservar as peças de vestuário da família, bem como a manter o lar (na aulas de trabalhos manuais, que ensinavam as lidas domésticas).
Apesar da repressão e censura política do regime, continuavam a haver feministas a lutar pela emancipação da mulher, e o feminismo era uma constante preocupação do Estado Novo. Várias organizações feministas foram obrigadas a encerrar a sua atividade durante os anos 40 e as suas militantes sufragistas e feministas foram fortemente perseguidas pela sua ideologia política, e consequentemente presas. Não desistindo de lutar pelos seus direitos, nos anos que se seguiram, as feministas portuguesas recorreram a outras organizações ou associações que continuavam a desenvolver o seu papel de reivindicação de direitos, como a Associação Feminina Portuguesa Para a Paz (AFPP) e o Movimento Democrático de Mulheres (MDM).
Depois da Revolução dos Cravos e o final da ditadura no país, em 1974, foram abolidas todas as restrições baseadas no sexo, permitindo o acesso às mulheres das carreiras profissionais antes vedadas e o direito ao voto universal, bem como direitos civis, legais e laborais (como a licença de maternidade ou a fixação do salário mínimo nacional) entre outros.