A história de uma sociedade é extremamente importante e é o que podemos utilizar para perceber o seu desenvolvimento e evolução. Como tal, estudamos esse desenvolvimento nas aulas de história e geografia do ensino básico, nas aulas de história A e história de arte do ensino secundário e, claro, em cursos superiores nas áreas da história ou de letras do ensino superior.
Este conhecimento é essencial para a formação dos alunos, não só porque lhes permite perceber como chegamos ao ponto em que estamos (e as batalhas que foram travadas para lá chegar), mas também porque é esse conhecimento que permite evitar cometer os mesmo erros vezes sem conta. Mais do que uma questão de estudos, é conhecer o mundo em que vivemos.
O preço de não ter esta formação é perder o conhecimento de eventos essenciais da história, como a luta pelos direitos das mulheres. Mas, como a história não é o conteúdo mais apreciado dos alunos, grande parte da formação acaba por ficar esquecida. Para evitar que isso aconteça, e para ajudar a que todos os alunos tenham conhecimento deste período tão importante da história, compilamos algumas das informações mais importantes sobre o feminismo, como surgiu e os primeiros anos do movimento em Portugal.
O que é o feminismo?
O feminismo é um conjunto de movimentos políticos, sociais, ideologias e filosofias que promove mudanças políticas e sociais em benefício das mulheres e da sociedade como um todo. O seu grande objetivo é o empoderamento feminino e a igualdade política, jurídica e social entre homens e mulheres, através da libertação dos padrões patriarcais, baseados em normas de género. O seu objetivo não é impor a superioridade feminina, mas sim a igualdade entre ambos os géneros.

Surgiu como forma de reivindicar o acesso à educação formal, o direito ao voto e a elegibilidade das mulheres, mas foi evoluindo para incluir outras liberdades civis e autonomia legal, como os direitos reprodutivos e a luta contra a violência física, sexual e psicológica. Como tal, envolve diversos movimentos, teorias e filosofias que advogam pelos interesses e direitos das mulheres. Continua, hoje em dia, a ser um movimento de imensa importância na emancipação feminina e na construção de sociedades igualitárias.
O que é que o feminismo defende?
De forma muito simples, o feminismo defende a igualdade jurídica, política e social entre homens e mulheres. Esta igualdade deve incluir tanto direitos como oportunidades, envolvendo direitos políticos, liberdades civis, direito à educação, direitos reprodutivos, direitos trabalhistas, igualdade salarial e divisão do trabalho doméstico, por exemplo.
Desta forma, as ativistas femininas fazem campanhas pelos direitos legais (direitos de contrato, direitos de propriedade, direitos ao voto), pelo direito da mulher à sua autonomia e à integridade do seu corpo e pelos direitos reprodutivos (incluindo o acesso à contraceção, a cuidados pré-natais de qualidade e, claro, o direito ao aborto), pelos direitos trabalhistas (incluindo a licença de maternidade e salários iguais) e contra muitas outras formas de discriminação.
Além disso, o feminismo também representa o combate às diversas formas de opressão que se manifestam cultural e socialmente, tais como o assédio moral, psicológico, físico, a violência física e sexual, bem como a imposição de padrões de beleza e comportamento.
Quais são as vertentes do feminismo?
A opressão sobre as mulheres é estrutural e, como tal, tem impacto em todas, independentemente da etnia, classe social, escolaridade, idade, etc. No entanto, estes fatores podem levar a necessidades diferentes, uma vez que nem todos os grupos femininos têm os mesmos direitos. Desta forma, as lutas das mulheres de classe alta, de classe média e de classe baixa são distintas. Tal como acontece com etnias diferentes. Além disso, os variados ideais políticos também implicam diferentes visões de mundo e, portanto, diferentes reivindicações.
Estas são as vertentes mais importantes do movimento:
- Feminismo liberal: esta primeira vertente do feminismo tem como objetivo promover a igualdade entre homens e mulheres por vias institucionais, inserindo as mulheres nas estruturas, mas sem as eliminar. O melhor exemplo desta vertente é o movimento sufragista. É focada em cada indivíduo e procura assegurar as suas escolhas com garantias legais, que apenas podem ser asseguradas através de participação feminina na política;
- Feminismo marxista ou socialista: esta vertente surgiu em crítica ao feminismo liberal, e inclui as desigualdades sociais que nem sempre se resolvem pela igualdade jurídica. Parte da premissa de que a opressão sobre as mulheres não se deve somente ao machismo, mas também ao capitalismo. Como tal, trabalha para o direito ao trabalho, a distribuição igualitária de tarefas (no trabalho doméstico, por exemplo) e na socialização dos meios de produção;
- Feminismo negro: esta vertente aborda a dupla opressão de género e raça sofrida por mulheres negras, enfatizando a questão racial. A grande referência desta vertente é a ativista Angela Davis, cujo livro “Mulheres, Raça e Classe” faz uma análise histórica do feminismo à luz destes fatores;
- Feminismo radical: esta última vertente prega a abolição da ideia de género. Aqui, considera-se que o próprio conceito de género carrega iniquidades estruturais que recaem sobre a mulher, uma vez que as meninas são desde pequenas ensinadas a vestir, falar, com que brincados podem brincar, que profissões podem seguir, etc. Desta forma, a socialização do género traz embutidos em si todos os preconceitos, limitações e opressões que estruturalmente são impostas a cada género. A solução passa por abolir esta construção social para que não seja determinante para as escolhas.
Como surgiu o feminismo?
A história do feminismo é extensa e complexa, uma vez que teve origem em 1789, durante a Revolução Francesa. Este evento, que tinha como objetivo central a igualdade jurídica, as liberdades e os direitos políticos, evidenciou um grande problema: todas as grandes conquistas das revoluções liberais, como as liberdades, os direitos e a igualdade legal, não incluíam as mulheres.

Mas a palavra "feminismo" só apareceu bem mais tarde, em 1837, pronunciada por Charles Fourier, um socialista utópico e filósofo francês. E só chegou ao Reino Unido em 1890 e aos Estados Unidos em 1910.
Em Portugal, o feminismo e a luta pela igualdade de género têm uma história extensa de ativismo e reivindicação. Mesmo antes do termo ser utilizado, várias personalidades e associações portuguesas tentavam derrubar os preconceitos associados ao papel social de género e lutavam pela igualdade.
Na transição depois da Idade Média, foram publicadas obras que analisavam o papel que a sociedade portuguesa atribuía aos homens e às mulheres no casamento. Ao desmistificar estereótipos criados ao longo de séculos, estes foram dos primeiros textos escritos em português a afirmar que as mulheres não eram nem inferiores, nem superiores aos homens, e que os defeitos e qualidades do ser humano não dependem do seu género.
Anos mais tarde, em 1557, o jurista Ruy Gonçalves escreveu o primeiro livro feminista português, onde fazia observações sobre o estatuto jurídico das mulheres portuguesas e defendia a igualdade de direitos entre homens e mulheres, enaltecendo a capacidade intelectual e talento artístico do sexo feminino quando este tem acesso ao conhecimento, algo que era proibido nas instituições de ensino à época.
Em 1715, Paula da Graça publicou um folheto onde aconselhava as jovens a não casar, colocando em causa o papel tradicional da mulher na sociedade portuguesa do século XVIII. Escrito como resposta a obras de conteúdo misógino, este texto tornou-se a primeira obra europeia de reivindicações feministas. Ainda assim, só em 1790 é que foram criadas as primeiras escolas para o sexo feminino no país, onde, além de serem instruídas sobre temas tradicionalmente associados ao género (como bordar, por exemplo), também aprendiam a ler e escrever.

Em 1822, alguns jornais portugueses começaram a adotar um discurso feminista com o objetivo de formar e educar as mulheres portuguesas sobre política, negócios e educação. No mesmo ano, durante a primeira instituição parlamentar portuguesa, apresentou-se pela primeira vez uma proposta para legitimar o direito de voto das mulheres. Esta proposta considerava que o direito ao voto devia ser garantido às mães que tivessem pelo menos seis filhos, enquanto não fosse possível garantir a participação de todas as mulheres, mas era um começo!
Uns anos mais tarde, em 1868 foi fundado o primeiro jornal na Europa assumidamente feminista, A Voz Feminina, que propunha lutar pela emancipação das mulheres portuguesas. No final da década de 1880, quase cem anos após a criação das primeiras escolas públicas para o sexo feminino, as mulheres portuguesas passaram finalmente a ser aceites em algumas das instituições de ensino secundário e superior do país.
Ainda assim, ainda havia muito caminho a percorrer! E os anos que se seguiram, com a explosão da primeira e da segunda onda do movimento nos outros países (e em Portugal!), foram essenciais para a história dos direitos das mulheres.