A poesia parece algo muito sério e difícil de aprender sempre que falamos sobre ela na escola. No entanto, não é mais nem menos do que um simples jogo da língua. Não há nenhum tipo de texto que valorize tanto as figuras de estilo, a ordem e a sonoridade das palavras ou as rimas, que enriqueça a sua composição e mensagem como nenhum outro estilo de escrita é capaz.
Neste tipo de escrita nada acontece por acaso, e as palavras são estrategicamente posicionadas para obter o efeito desejado. Esta arte não se diferencia muito do xadrez no que toca a este ponto de vista, já que a posição de cada palavra é cuidadosamente pensada pelo escritor e o cuidado estético e sonoro da língua é levado ao extremo.
É por isso que os poemas nos transmitem tantas emoções diferentes: sentimentos como a alegria, a tristeza, dor, saudades, ou angústia são todos bastante comuns num bom poema, tratando-se realmente de uma das artes mais reconhecidas do mundo das letras. Diferente de um texto escrito em prosa, em que o autor expõe argumentos, tenta convencer ou informar o seu leitor de alguma coisa, a poesia procura expressar o íntimo sentimental de cada escritor e transmitir esses sentimentos a quem lê os seus poemas. Como em qualquer outro género artístico, reflete os pensamentos e valores de uma determinada época.

Um verdadeiro poeta é alguém apaixonado pela sua língua e pelo seu uso. Caso contrário, não iriam ser capazes de inovar tanto a sua escrita e escolhê-la como principal veículo para a sua arte. E a poesia brasileira constitui um dos pilares mais ricos da literatura em língua portuguesa. Ao longo dos séculos, os poetas brasileiros exploraram a alma humana, o amor, a saudade, as tensões sociais, a identidade nacional e a própria linguagem poética com uma criatividade vibrante e multifacetada.
Desde o lirismo clássico do romantismo até à experimentação contemporânea, a poesia brasileira reflete o pulso de um país plural, mestiço, e em constante transformação.
Para que a possa conhecer melhor, compilamos uma lista dos poetas brasileiros mais influentes, aqueles cujas obras se tornaram referência na tradição literária nacional e, muitas vezes, internacional. O percurso abrange desde escritores do início da tradição literária até nomes contemporâneos que desafiam os limites da arte, e abordam temas como género, raça, região, existencialismo e linguagem.
Romantismo e Nacionalismo (século XIX)
No século XIX, o Brasil vivia uma intensa procura por identidade cultural, ainda a braços com o fim do Império e com as consequências da escravatura. A poesia romântica floresceu com uma valorização nacional e sentimental, expressa nos versos de três figuras:
Gonçalves Dias
Álvares de Azevedo
Castro Alves
Gonçalves Dias (1823–1864) é considerado o poeta que definiu o nacional-romantismo. Licenciado em Coimbra, regressou ao Brasil com o símbolo do indígena como herói nativo e a saudade da pátria. O verso “Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá…” tornou-se emblemático. A sua poesia é marcada por musicalidade, melancolia, exaltamento da mãe‑terra e valorização da natureza tropical. Entre as suas obras destacam-se Canções, Segundas Canções e Últimas Canções, que exploram a saudade, a história natural do país e o lirismo suave. A sua obra consolidou-se como base do romantismo nacional, cimentando a celebração do indígena, entendido como figura originária e simbólica do Brasil.
Álvares de Azevedo (1831–1852) pertenceu ao chamado "romantismo maldito": melancolia, morte, erotismo, crítica social e sensibilidade urbana. Publicou a Lira dos Vinte Anos (1853), edição póstuma, onde se encontram poemas intensamente líricos, contraditórios e inquietos. Em excertos como:
Eu sou o terror dos que vivem / E o encantamento dos que sonham.
percebe-se a tensão entre juventude e fatalidade. Azevedo critica convenções (religiosas, políticas e literárias) e personifica na sua figura a juventude melancólica e urbana. O seu estilo é marcado por antíteses, ironia, excesso de signos literários que integram o contexto refinado das famílias urbanas da época.
Castro Alves (1847–1871), conhecido como o "poeta dos escravos", insere na poesia uma voz assumidamente épica e política, transformando o poema num instrumento de denúncia social. Em Espumas Flutuantes e Os Escravos, a sua voz denuncia a exploração brutal da escravatura, mas exalta também a liberdade. Em Navio negreiro, utiliza versos longos e ritmados.
A sua poesia épica portuguesa, no entanto, nunca foi meramente formal: tem uma veia profundamente humana e sensível, que mistura o amor (como em Vozes d’África) e a justiça social.
A linguagem retórica, o verso grandiloquente e a força da imagem criam uma espécie de manifesto poético a favor da abolição.
Conheça também os maiores filmes do cinema brasileiro!
O Simbolismo e a transição para o Modernismo (final do século XIX – início do XX)
O Simbolismo chega à nação brasileira como um movimento literário influente na Europa. O seu principal expoente brasileiro foi Cruz e Sousa (1861–1898).
Apelidado de “alquimista do crepúsculo”, importou o Simbolismo com uma intensidade musical e mística. Em obras como Broquéis (1893) ou Faróis (1895), cruzam-se as metáforas, sinestesias, ritmo musical, musicalidade cromática e clamor espiritual. Os seus poemas quebravam a linguagem objetiva do Realismo, explorando o abstrato e o fantástico, com palavras como “fulva alvorada”, “diapasão da alma”, “luxúria lunar”. As frases são sonoras, repetitivas, quase místicas, marcadas por imagens que convocam o mistério, a transcendência e o sofrimento. Cruz e Sousa foi ignorado em vida, em grande parte por ser negro, mas é, hoje em dia, como um dos nomes mais importantes da língua portuguesa, dono de uma sensibilidade riquíssima e original.
Alberto de Oliveira (1857–1937) foi outro nome do simbolismo, embora de estilo mais contido e clássico. Em vez das sinestesias densas de Cruz e Sousa, Oliveira abraça uma estética mais melancólica e tradicional, herdeiro do simbolismo parnasiano. Poemas como Melancolia e À Esposa, em verso delicado, valorizam a emoção contida, o lar, o amor e o passado. Ainda que menos inovador, é reconhecido como um dos expoentes desta tradição brasileira.
Oswald de Andrade (1890–1954) inaugurou o modernismo brasileiro com o Manifesto Pau-Brasil (1924) e o Manifesto Antropófago (1928). Em poesia, defende a "antropofagia cultural": devorar os saberes europeus para criar algo genuinamente brasileiro. Na poesia, usa humor, crítica social, linguagem coloquial, imagens modernas. Oswald desconstrói o cânone tradicional ao incorporar gírias, ironias, fragmentação surrealista. A sua obra abre caminho a uma língua literária não académica, urbana e potencialmente satírica. Poemas como Pau-Brasil e Serafim Ponte Grande firmam a ideia de que a poesia nacional deveria reinventar as convenções através da experimentação e da crítica social.
Modernismo Pleno e Poesia Coletiva (décadas de 1930 a 1950)
A partir da Semana de Arte Moderna (São Paulo, 1922), o modernismo brasileiro explodiu em todas as artes. Na poesia, representam-no Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, entre outros.
Manuel Bandeira (1886–1968) é reconhecido como o escritor que libertou a língua: rompeu com métrica rígida, escolheu temas simples, populares e emocionais. Poemas clássicos de Libertinagem (1930), Estrela da Vida Inteira (1949) e Poemas Escolhidos (1960) combinam coloquial e universal. Bandeira fala de infância, de quotidiano, de morte – com humor, leveza. Está presente nos versos quase aforísticos:
Minha pátria é a língua Portuguesa.
A economia de linguagem e a profundidade emotiva garantem-lhe um lugar central em ambos os países de língua portugesa.
Carlos Drummond de Andrade (1902–1987) é, possivelmente, o maior poeta brasileiro moderno, cuja obra atravessa a poesia com riqueza de registos: existencial, irónico, social, metafísico. Em Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940) e A Rosa do Povo (1945), insere versos de densidade filosófica e crítica social. O poema No meio do caminho é paradigmático:
“No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho…”
Através de simplicidade e repetição, cria uma imagem simbólica sobre os obstáculos da vida e a frustração da existência. A sua obra evolui para temas como a Segunda Guerra, o tráfico humano e o totalitarismo. As linhas finais da sua obra persistem: “o homem que nasce a cada instante”, afirmando o renascer do espírito e da linguagem.

Cecília Meireles (1901–1964) mantém em paralelo uma poesia lírica e contemplativa. Em Viagem (1939), que mereceu o Prémio de Poesia da ABL, e em Retrato Natural (1949), explora temas como o tempo, a infância, a natureza e a essência da palavra. A sua escrita é silenciosa e fluida, por vezes mística, quase sempre musical e intimista. Em poemas como Invenção de Orfeu, cria uma poesia quase sonora, em que o som e o ritmo moldam o conceito, explorando a brevidade do instante e a fugacidade da vida.
Conheça ainda os autores brasileiros mais influentes na prosa.
Expressões da poesia pós‑modernista (1950–1990)
Na segunda metade do século XX, surgem autores que aliam a linguagem crítica à experimentação, ao corpo, à memória. Aqui destacam-se João Cabral de Melo Neto, Hilda Hilst, Ferreira Gullar e Adélia Prado.
João Cabral de Melo Neto (1920–1999) produziu uma poesia quase arquitetónica: rigorosa, geométrica, assente em imagens concretas, sem ornamento. Em Morte e Vida Severina (1955) e O Cão sem Plumas (1988), denuncia a miséria nordestina com imagens duras, escassas, que ganham tensão pela solidez da linguagem. Por exemplo, em O Cão sem Plumas:
Um cão alerta, sem presa, longe do cio.
a cena está crua e absoluta. A sua escrita, descrita como objectiva, tem uma densidade muitas vezes comparável à da poesia japonesa: pouca palavra, imagem, silêncio.
Hilda Hilst (1930–2004) explorou a dimensão erótica, filosófica, por vezes religiosa e quase mística, do poema. Poemas de Pressentimentos (1971), Fluxo-Floema (1977) e Poemas Malditos desafiam os limites da linguagem. A sua escrita fragmentária, forte em sensualidade e misticismo, compõe uma espécie de liturgia poética radical. A apropriação do corpo, dos sentidos, do transcendente, faz da sua obra uma ficção poética quase performance, onde as palavras sangram ou brilham.

Ferreira Gullar (1930–2016) transitou do concretismo para uma escrita socialmente engajada, consolidada com o Poema Sujo (1976), escrito no exílio em Cuba. O poema é longo (tem mais de trinta páginas), combativo, confessionário, testemunho da ditadura militar no país.
Com linguagem direta, oral, intensa, Gullar mistura memória pessoal e coletiva. É um poema político e emocional, que ganhou reconhecimento por abordar temas como a censura, a repressão, a infância, a língua, num conjunto intenso e urgente.
Adélia Prado (1935) trouxe uma poesia íntima e feminina, ancorada no quotidiano e na religiosidade. Em Bagagem (1976), O Coração Disparado (1978) e Terra de Santa Cruz (2020), acolhe o dom do corpo, da maternalidade, da vontade transgressora, da fé. Com ritmo coloquial e muitas vezes jocoso, as suas expressões lidam com o corpo como espaço sagrado, sem ser estético, mas profundamente humano. Em versos como:
“Nasci no afeto de minha família
Por isso mesmo guardo tremor de amor…”
Adélia celebra a sacralidade do banal, da vivência, do desejo.
Escritores afro‑brasileiros e vozes de resistência (1980–até hoje)
A poesia negra no Brasil emergiu com uma força própria e estética diversificada, como forma de reafirmar a ancestralidade, corpo e memória. Nela existem duas vozes fundamentais:
Conceição Evaristo
Leda Maria Martins
Conceição Evaristo (1946) é escritora e pensadora, autora do termo "escrevivência", uma narrativa e poesia moldadas pela experiência da mulher negra. Em Insubmissas Lágrimas de Mulheres (2003), introduz poemas de força política e lírica como “Eu-mulher”, poemas curtos, cortantes, que refletem o corpo marginalizado.
A sua poesia é política não apenas pelo conteúdo, mas pela oralidade, pela sintaxe fragmentada, pela negação da norma padrão, constituindo uma escrita literária poderosa e libertária, com ritmo quase de rap, de rede social, intensa, visceral, urgente.
Leda Maria Martins (1944), académica e poeta, trabalha a ancestralidade africana e a política da memória. Em Dobrando o Pássaro Elegante (2002), os seus poemas aliam filosofia, diásporas, confiança e negritude. A sua escrita é meta-poética, aborda a condição humana através da lente afro-brasileira, numa fusão de reflexão poética e militância estética. A cada verso, Leda propõe uma viagem no tempo, um reconhecimento histórico que denuncia a violência da história e celebra a cultura ancestral.
Poetas Contemporâneos (1990–2025)
A poesia do século XXI no Brasil vive no cruzamento entre palavras, imagens, redes sociais. Há vozes emergentes que protegem a oralidade, mesclam performance e presença digital.
Ana Cristina César (1952–1983), filha do Poesia Marginal, investiu no verso fragmentado, confessional, urbano. Os seus livros A Teus Pés (1975) e Cenas de o Crime (1982) misturam sonho/realidade, sexo e cotidiano. Comumente, a sua poesia é considerada uma das mais radicalmente subjetivas do país. As fragmentações, os monólogos interiores, os poemas como dispositivos confessional-psicológicos abriram caminho para gerações posteriores de escritores urbanos.
Paulo Henriques Britto (1942), poeta e tradutor, trabalha o verso reflexivo, quase filosófico, por vezes fragmentário. Com publicações como Teorema de Pitágoras (1996) e Desconcertos (2014), Britto cimentou uma poesia cerebral, assente nas metáforas cromáticas, no silêncio da página e no espaço entre as palavras. Em palco, a sua leitura cuidadosa constitui um exercício de precisão interpretativa.
Julia Spadaccini (n. 1978) destaca-se como figura da poesia visual e multimédia no país. Os seus livros, exposições e performances unem texto, imagem, espaço digital, imagem física. Obras como Pacote de Imagens (2005) misturam visualidade, tecnologia, corpo urbano, dedos que tocam a palavra e intercetam o toque. Os seus textos emergem em suporte multimodal, e a performance oral incorpora o poema como acontecimento cultural.

Ricardo Aleixo (n. 1962) é poeta, performer e artista urbano. Trabalha a oralidade, a spoken word e a escrita urbana com ritmo, ruído, aceleração de versos. Em eventos de poesia, o seu poema encontra expressão entre música e voz alta. Aleixo modifica o poema da página ao espaço público, para mostrar um Brasil multicultural, tolerante, caótico, com a palavra ousada como resposta à globalização latino-americana.
Sabe quais são os provérbios portugueses mais conhecidos?
As maiores características da escrita poética brasileira
Ainda que cada autor tenha as suas características particulares, existem algumas temáticas e características que são transversais a praticamente todos os autores que mencionamos aqui, e muitos outros. São elas:
- Identidade nacional: desde Gonçalves Dias ao Pau-Brasil de Oswald, a poesia tenta cantar a nação real, o índio, o Nordeste, o favelado urbano, rural, amazónico;
- Corpo, género, sexualidade: Hilda Hilst, Adélia Prado, Conceição Evaristo e Ana Cristina César abordam o corpo, a transcensão do tabu, a linguagem do sexo e o feminismo com novas formas expressivas;
- Raça e memória: poesia como resistência (Castro Alves, Evaristo, Martins) sobre a escravatura, a negritude, a luta e a ancestralidade estão presentes como matéria literária influente;
- Linguagem e materialidade: do simbolismo musical à experimentação visual e escrita urbana, a palavra é matéria, a escrita é gesto, imagem, som e corpo;
- Envolvimento cívico: Gullar, Drummond, Hilda Hilst, narram os conflitos políticos, a ditadura, o totalitarismo, a esperança. O verso torna-se instrumento de memória e denúncia.
No geral, a poesia brasileira construiu, em duas centenas de anos, uma das tradições literárias mais vigorosas do mundo lusófono. Da lírica patriótica e bucólica do século XIX às radicalidades estéticas do século XXI, a poesia acompanha a história do país em todos os seus avanços e recuos, tornando-se, por sua vez, um agente ativo na construção da identidade e na reflexão ética e estética.

Cada nome deste percurso (seja Gonçalves Dias, Castro Alves, Álvares de Azevedo, Cruz e Sousa, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Drummond, Cecília Meireles, João Cabral, Hilda Hilst, Gullar, Adélia Prado, Conceição Evaristo, Leda Maria Martins, entre outros) introduziu uma voz ou renovou conceitos: nacionalidade, linguagem, fratura, corpo, raça, resistência, colaboração estética. No conjunto, oferecem-nos um espelho dos valores, cores, sons e lutas mais profundos do país que, inclusive, são hoje reconhecidos como bens universais.
Ler as obras destes autores é seguir um caminho de pulsões, do amor ao grito político, do silêncio íntimo à utopia coletiva. Esta arte une a beleza ao pensamento crítico, o sentido lírico à força da denúncia. E, ao fazer disso idioma vívido, ajuda-nos a entender a brasilidade como um infinito, plural e emergente vento que sopra sobre toda a língua portuguesa.